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Desconfio de Quem Não Procrastina

Ane C.

Atualizado: 15 de jun. de 2023

Estou convencida de que eles estão escondendo algo de nós...

Sou particularmente, mas não exclusivamente, atraída pela história que precede a história, pelos desvios de caminhos que surgem no decorrer da crônica e pelos apostos que permeiam o relato. Acho mesmo bonito essa coisa da explicação, seja ela breve ou detalhada. Mas o que amo de verdade, são as pausas para manifestação dos sentimentos ou das dúvidas do autor. Para mim a história está mais aí, na expressão ou na reação de quem conta, do que no que foi de fato dito. A beleza está nas conexões que a história puxa na memória de quem conta e em qualquer outro pormenor que transpasse o conto. Chamo esse conjunto de “Boniteza!” Há por aí, todavia, quem diga “prolixo.” Bem, os educados o dizem, os impacientes, já irritados, escolhem palavras mais privativas, por assim dizer.

Não tem muito tempo que entendi que o meu peculiar interesse nos pormenores e desvios da história, ao longo da vida selecionaram minhas companhias e me afastaram da gramática. É simplesmente impossível para mim, aplicar ao meu próprio raciocínio a lógica gramatical. Diferente do que se possa imaginar, eu fui uma aluna de notas excelentes em gramática, mas não gosto. Até porque enquanto crio não há energia ou paciência para ficar me lembrando das regras da vírgula, ou do “porquê” correto. A ortografia também não é meu forte. Faz três anos eu ouvi alguém dizer, com ares de informação cientifica, que algumas pessoas têm mais habilidade para se lembrar de como as palavras são escritas do que outras e que isso é natural. Eu, sem nenhuma habilidade ortográfica, aceitei isso como fosse o diagnóstico de um linguista renomado, um sinal do universo me dizendo para parar de me chicotear. Abracei minha personalidade desortografável e nunca procurei as fontes da informação. Dito isso, caminhemos à história.

Há três dias, participei de um ritual de Lua Nova onde a xamã da cerimônia recomendou levarmos um caderno para anotar manifestações. Faz tempo já, eu ganhei um caderno bonito, com folhas envelhecidas e capa de mapa-múndi. O dia todo eu com o bendito caderno na cabeça. Eis que minutos antes do rito, me dou conta de que o caderno não está em seu lugar devido. Então, eu o procuro nos lugares indevidos, obviamente não o encontro. Sigo voltando ao lugar devido e aos lugares indevidos e me deparo sempre com mesmo resultado: o caderno desapareceu! A essa altura, já estou atrasada, termino por emprestar um caderno chiquíssimo do meu esposo e sigo para o ritual. P da minha cara!

Hoje, eram quase 4h da manhã, eu decidi achar o meu caderno e reescrever minhas manifestações de Lua Nova no lugar apropriado: meu caderno de folhas amarelas com capa de mapa-múndi! Determinada a encontrá-lo, começo a busca pelo mesmo lugar de dias atrás, pasme, o caderno está lá. Sempre esteve, mas há três dias eu não o vi em nenhuma das mil vezes que olhei. Como ou o porquê não vi, não sei. Mas não vi.

Pego meu caderno, caminho para a sala, onde reescreverei as minhas manifestações de Lua Nova, agora apropriadamente. Mas no caminho me ocorre esse pensamento de que atualmente eu considero a escrita a mão desnecessária. Não me entendam mal. Compreendo quem gosta e aprecio a prática da escrita a mão. Todavia, tenho a sensação de que coisas com finalidades para além de notas de supermercado ou notas pessoais para recordar de algo, se tornam obsoletas quando escritas em cadernos. A escrita a mão é basicamente o rascunho de algo que se virar um plano precisará ser digitalizado. A altura que cheguei à sala, já havia desistido de escrever minhas manifestações no papel. Voltei ao escritório para buscar meu laptop. E a altura que cheguei ao escritório, já vinha eu com outros tantos pensamentos que minhas manifestações davam lugar a esta crônica. Acaba que faz meia hora que escrevo, escrevo e não sei se manifesto ou desço a ladeira da história paralela.

Ane C.

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